segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Marx contra Proudhon

IPOJUCA PONTES | 20 DEZEMBRO 2010

Provavelmente para dissimular a vultosa dívida contraída com o pensamento alheio e esconder a fonte de inspiração em que bebeu, Marx cola na testa de Proudhon a etiqueta de "ideólogo da pequena-burguesia", a ser repetida indefinidamente pelos acólitos fanatizados.

Depois da publicação de "O que é a propriedade?", sabe-se, Marx tentou aliciar Proudhon, por carta, convidando-o a integrar a corriola do Comitê Comunista de Correspondência, base da futura Liga Comunista (sediada em Bruxelas). Mas na carta, em que pese elogiar Proudhon, o "Doutor do Terror Vermelho" não consegue disfarçar o caráter virulento e ataca um discípulo deste, Karl Grun (inventor de mais um tipo de socialismo - o "socialismo verdadeiro"), a quem considera um tipo suspeito. Proudhon não apenas recusa o convite, como defende Grun e adverte Marx quanto ao caráter violento e nocivo do seu dogma revolucionário.

Além do mais, para desconforto dos "socialistas científicos", Proudhon zomba da dialética hegeliana, considerando-a mera pílula-de-miolo-de-pão. Diz ele em "La Guerre et la Paix" (Editora Tops/H. Trinquier. Paris, 2000), obra admirada por Tolstoi e que e o levou a homenageá-la como título do seu romance:

O equilíbrio instável entre dois termos (tese e antítese), não nasce de um terceiro, mas de sua ação recíproca. A fórmula hegeliana só é uma tríade por prazer ou erro de Hegel, que vê três termos onde só existem dois e que não viu que a antinomia não se resolve. Com o seu sistema, Hegel só chega ao absolutismo governamental, à onipotência, à subalternização dos indivíduos e dos grupos. Pergunto-me se, devido a esta faceta de sua filosofia, Hegel conservou um único partidário na Alemanha".

E para ampliar o abismo que aprofundou em definitivo a inimizade entre ambos, o anarquista francês cria dialética própria, que rejeita a síntese hegeliana e procura "equilíbrios nas diversidades" e a integração dessas diversidades em "totalidades". A dialética, que Proudhon chama de "antinômica", serve como método para a construção do "Sistema de Contradições Econômicas" (Paris, 1846), e permite a um tempo encarar a propriedade como sendo "produto espontâneo da sociedade e a dissolução desta mesma sociedade" ou, o que dá no mesmo, entender que a "propriedade é a liberdade e a propriedade é o roubo". Como a dialética proudhoniana não admite nenhum tipo de síntese, os elementos antagônicos que movem a história formam "equilíbrios imprevistos" - esses, por sua vez, em permanente estado de ebulição.

Marx acusou Proudhon de nunca ter entendido Hegel, embora ele próprio fosse crítico severo da dialética hegeliana, que achava não passar de mera "manifestação de raciocínio". Em "Miséria da Filosofia" (1847), resposta ao "Sistema de Contradições Econômicas" (livro que na verdade serve de modelo para "O Capital"), ele dá o troco, à moda da casa, cuspindo no prato que comeu, sem nenhum resquício de respeito ou gratidão. Provavelmente para dissimular a vultosa dívida contraída com o pensamento alheio e esconder a fonte de inspiração em que bebeu, Marx cola na testa de Proudhon a etiqueta de "ideólogo da pequena-burguesia", a ser repetida indefinidamente pelos acólitos fanatizados. Curiosamente, atribui a Proudhon os seus próprios defeitos, entre eles o de ser um tipo "excessivamente vaidoso" e "pavão prepotente".

Tudo até aqui levantado não traz nenhuma novidade. A leitura anotada de uma trintena de livros, entre eles os de Marx, poderá levar o interessado a conclusões semelhantes ou parecidas. Na prática, a teoria que envolve o "socialismo científico" de Marx mostrou-se tão pouco científica como qualquer outra e - o que já é lugar comum afirmar - suas "leis", "tendências" ou "previsões" históricas jamais se cumpriram sequer remotamente. Superado o ciclo do historicismo determinista, e com ele as irrealistas projeções econômicas, os próprios membros da seita trataram de enfiar a viola no saco e partir para a institucionalização da "crítica cultural", elegendo o infinito conceito da "alienação" como novo objeto de culto. São, por assim dizer, os sanguessugas de Marx, repetindo em bloco o mesmo que o "mestre" fez com Hegel, Feuerbach, Proudhon e tantos outros.

A igreja mais operante dessa nova fauna é, se não já era - ao lado das elucubrações teóricas erguidas pelo templário Antonio Gramsci (1891-1937) em torno da "revolução passiva" -, a Escola de Frankfurt, curiosamente erguida com o dinheiro de Hermann Weil, capitalista e explorador do trigo (e da mão-de-obra barata) argentino. Da cátedra da "Escola", os seus integrantes mais notáveis (alguns deles filhos de banqueiros e milionários), diante da crescente supremacia do capitalismo, atiram sofisticados petardos contra o que julgam ser a "estrutura dominante" da sociedade industrial contemporânea. Um dos seus mais destacados mentores, Theodor Adorno (1903-1969) - que morreu de enfarte após uma aluna ter ficado nua na sala de aula para testar o grau de sinceridade do mestre pelas liberdades individuais por ele proclamadas - era taxativo em afirmar ("Dialética Negativa", 1966), por meio da "ênfase dramática", que o mundo e as consciências viviam alienados e não tinham mais salvação, apontando a concentração do capital, o planejamento burocrático e a máquina "reificadora" da cultura de massa como forças destruidoras das liberdades individuais (vindo daí, naturalmente, todo o arsenal crítico mais pretensioso contra Hollywood).

Hoje, em que pese a suposta derrocada da União Soviética e a queda do Muro de Berlim, além da falência de Cuba e o assentimento da China ao capitalismo de Estado, o "pensamento" de Marx, contra todas as evidências da insensata experiência comunista, permanece ativo e continua a causar estragos e até a apresentar-se como "hegemônico", sobretudo no espaço retardatário da descarnada América Latina. É purononsense, mas pelo menos no Brasil é inquestionável a supremacia da dogmática marxista, pois o país tornou-se o espaço vital onde milhares e milhares de militantes esquerdistas, comandada por uma máquina bem-azeitada e nutrida nos fundos públicos (com recursos subtraídos a muque do bolso do trabalhador e dos empresários contribuintes), atuam sistemática e proficuamente dentro do aparelho do Estado, nas cátedras, parlamentos, púlpitos, quartéis, tribunais, mídias, associações civis e militares, sindicatos, prisões, ONGs, palcos, telas e até prostíbulos, com o objetivo único e irreversível de "socializar" a nação. Tal qual uma Cuba ou Coréia do Norte, o Brasil consolidou a imagem de ser uma economia das mais centralizadas do planeta, onde nada se faz sem o beneplácito do governo.

De fato, sob o ditame da mistificação marxista, o Brasil atolou-se na miséria física e espiritual, coisa que trataremos de demonstrar no nosso próximo e último artigo sobre "Marx e o pensamento dos outros".

http://www.midiasemmascara.org/artigos/movimento-revolucionario/11700-marx-contra-proudhon.html, 20/12/10.

QSS.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Falta de Respeito

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 10 de dezembro de 2010

Por que devemos consentir em continuar chamando de “Sua Excelência, o Senhor Ministro da Educação” um semi-analfabeto que não sabe sequer soletrar a palavra “cabeçalho”? Por que devemos continuar adornando com o título de “Sua Excelência, o Senhor Ministro da Defesa” um civil bocó que se fantasia de general sem nem saber que com isso comete ilegalidade? Por que devemos honrar sob a denominação de “Sua Excelência, o Senhor Ministro da Cultura” um pateta sem cultura nenhuma? Por que devemos curvar-nos ante a magnificência presidencial de um pervertido que se gaba de ter tentado estuprar um companheiro de cela e diz sentir nostalgia do tempo em que os meninos do Nordeste tinham – se é que tinham – relações sexuais com cabritas e jumentas?

Essas criaturas, é certo, têm o direito legal a formas de tratamento que as elevam acima do comum dos mortais, mas até quando nossos nervos suportarão o exercício supremamente antinatural e doentio de fingir respeito a pessoas que não merecem respeito nenhum, que só emporcalham com suas presenças grotescas os cargos que ocupam? Respeito, afinal de contas, é noção hierárquica: sem o senso da distinção entre o melhor e o pior, o alto e o baixo, o excelso e o vulgar, não há respeito possível. Nietzsche já observava: Quem não sabe desprezar não sabe respeitar. Se um sujeito que só merece desprezo aparece envergando um uniforme, ostentando um título, exibindo um crachá que o diz merecedor de respeito, estamos obviamente sofrendo uma agressão psicológica, um ataque de estimulação contraditória, ou dissonância cognitiva, que esfrangalha o cérebro mais vigoroso e reduz ao estado de cãezinhos de Pavlov as mentes mais lúcidas e equilibradas. Um povo submetido a esse regime perde todo senso de gradação valorativa, todo discernimento moral. Prolongado o tratamento para além de um certo ponto, a sociedade entra num estado de desmoralização completa, de apatia, de indiferentismo, onde só os mais cínicos e desavergonhados podem sobreviver e prosperar.

Mas não é só nas pessoas que o encarnam que o presente governo é uma usina de estimulações desmoralizantes. Impondo a sodomia como o mais sacrossanto e incriticável dos atos, as invasões de terras como modalidade superior de justiça fundiária, o abortismo como dever de caridade cristã, a distribuição de pornografia às crianças como alta obrigação pedagógica, Suas Excrescências estão fazendo o que podem para sufocar, na alma do povo brasileiro, toda capacidade de distinguir entre o bem e o mal e até a vontade de perceber essa distinção.

Nunca, na história de país nenhum, se viu uma degradação moral tão rápida, tão geral e avassaladora. Os crimes mais hediondos, as traições mais flagrantes, os escândalos mais intoleráveis são aceitos por toda parte não só com indiferença, mas com um risinho de cumplicidade cínica que, nesse ambiente, vale como prova de realismo e maturidade.

Em cima de tudo, posam as personalidades mais feias e disformes, ante as quais mesmo homens sem interesses obscuros em jogo se sentem obrigados a debulhar-se em louvores e rapapés.

Num panorama tão abjeto, destacam-se quase como um ato de heroísmo as manifestações de desrespeito ostensivo com que os estudantes da Universidade de Brasília saudaram, na inauguração do “beijódromo”, o presidente da República, seu ministro da Incultura e o reitor José Geraldo Souza Júnior.

Que é um “beijódromo”, afinal? Idéia suína concebida na década de 60 por Darci Ribeiro, um dos intelectuais mais festeiros e irresponsáveis que já nasceram neste país, então deslumbrado com a doutrina marcusiana da gandaia geral como arma da revolução comunista, o “beijódromo” é um estímulo à transformação da universidade em espaço lúdico-erótico onde um governo de vigaristas possa obter ganhos publicitários explorando calhordamente os instintos lúbricos da população estudantil, assim desviada dos deveres mais óbvios que tem para consigo mesma e para com o país. Meu caro amigo Reinaldo Azevedo assim resumiu o caso: “Um estado totalitário reprime o tesão. Um estado demagogo o estatiza.” Peço vênia para discordar. Excetuados os países islâmicos, só alguns regimes autoritários, de natureza transitória, ousaram impor a repressão sexual. A exploração estatal do erotismo é característica inconfundível dos regimes totalitários e revolucionários. Quem tenha dúvida fará bem em percorrer as 650 páginas do estudo magistral de E. Michael Jones, Libido Dominandi: Sexual Liberation and Political Control (St. Augustine’s Press, 2000). O “beijódromo” é a cristalização mais patente de um totalitarismo em gestação.

Os gritos e insultos com que Lula foi recebido por estudantes que querem algo mais que pão, circo e orgasmo, refletem um fundo de sanidade que ainda resta na alma popular: nem todos os cérebros, neste país, estão perfeitamente adestrados na arte de bajular o que não presta.

Esse protesto impremeditado, espontâneo, sem cor ideológica definida, traz a todos os brasileiros a mais urgente das mensagens: no estado de degradação pomposa a que chegamos, só uma vigorosa falta de respeito pode nos salvar.

http://www.olavodecarvalho.org/semana/101210dc.html, acessada em 19/12/10.

QSS.